quarta-feira, 23 de maio de 2012





Ricardo Reis  “o poeta da autodisciplina”
De acordo com a carta de Fernando Pessoa a João Gastar Simões, o poeta começou a esboçar o heterónimo Ricardo reis em 1912 quando lhe veio “à ideia escrever uns poemas de índole pagã”, mas seria apenas no “dia triunfal” – 8 de Março de 1914 – que ele surgiria, a completar o trio Caeiro, Campos, Reis.
Tal como fez para os outros, Fernando Pessoa criou para Reis, além do nome, a idade, a fisionomia, a biografia, o estilo. Assim, Ricardo Reis teria nascido no Porto, no dia 19 de Setembro de 1887. Educado num colégio de jesuítas onde recebeu uma sólida educação clássica, formou-se em Medicina. Era monárquico e por isso, em 1919 teve que se exilar no Brasil, na sequência da derrota da rebelião monarquia do Porto contra o regime republicano instaurado havia apenas nove anos. Era moreno, mais baixo e mais forte que o Caeiro.
Fernando Pessoa publicou poemas de Ricardo reis – vinte odes – pela primeira vez em 1924, na revista “Athena” por si fundada; depois, entre 1927 e 1930, oito odes foram publicadas na revista “Presença” de Coimbra. Os restantes poemas e a prosa de Ricardo Reis são de publicação póstuma.
Discípulo de Caeiro, como Pessoa ortónimo e Álvaro de Campos, Ricardo reis apresenta, contudo, uma poesia muito diferente da dos outros poetas-Pessoa. À grande questão da indagação do sentido da existência, colocada de forma diversa por cada um deles, Reis responde como se fosse um homem de outro tempo e de outro mundo, um grego antigo, pagão a braços com o Destino. Sabe que a efemeridade é parte da condição humana, que na vida tudo passa, e sobre cada momento vivido pesa a sombra da caminhada inexorável do Tempo. Então, para enfrentar esse medo da morte, defende que é preciso viver cada instante que passa, sem pensar no futuro, numa perspectiva epicurista de saudação do “carpe diem”. Mas essa vivência do prazer de cada momento tem que ser feita de forma disciplinada, digna, encarando com grandeza e resignação esse Destino de precariedade, numa perspectiva que tem raízes no estoicismo.
Reis é, afinal, um conformista que pensa que nenhum gesto, nenhum desejo vale a pena, uma vez que a escolha não está ao alcance do homem e tudo está determinado por uma ordem superior e incognoscível. Para quê, então, querer conhecer a verdade que, a existir, apenas aos Deuses pertence? Nada se pode conhecer do universo que nos foi dado e por isso só nos resta aceita-lo com resignação, como o destino. Além disso, o medo do sofrimento paraliza-o conduzindo-o a uma filosofia de vida terrivelmente vazia. Para Ricardo Reis, a vida deve ser conduzida com calculismo e frieza, alheia a tudo o que possa perturbar. E como tudo o que é verdadeiramente humano é intenso e perturbante, Reis isola-se, numa espécie de gaiola dourada que o protege de qualquer envolvimento social, moral ou mesmo sentimental.
 A educação que teve criou nele o gosto pelo classicismo e é na “imitação” do poeta latino Horácio que se baseia a construção daquilo que é fundamental na sua poesia. Uma poesia neoclássica, pagã, povoada de alusões mitológicas. Enfim, uma poesia moralista, sentenciosa, contida, sem qualquer traço de espontaneidade. Cultivando preferencialmente a ode, utiliza uma linguagem culta, rebuscada – o hipérbato, inversão da ordem normal dos elementos da frase, é um recurso amplamente usado.

                             Obras De Ricardo Reis



As primeiras obras foram publicados em 1924, na revista Athena, fundada por Fernando Pessoa. Mais tarde foram publicados oito odes, entre 1927 e 1930, na revista Presença, de Coimbra. Os restantes poemas e prosas são de publicação póstuma.





Temas
 Reis, também discípulo de Caeiro, admira a serenidade e a calma com que este encara a vida, por isso, inspirado pela clareza, pelo equilíbrio e ordem do seu espírito clássico greco-latino, procura atingir a paz e o equilíbrio sem sofrer, através da autodisciplina e das seguintes doutrinas gregas:
Epicurismo
 Doutrina baseada num ideal de sabedoria que busca a tranquilidade da alma através das seguintes regras:
  • Não temer a morte - Levando o poeta ao Fatalismo, tendo a morte como única certeza na vida.
  • Procurar os simples prazeres da vida em todos os sentidos, sem preocupações com o futuro (carpe diem), mas sem excessos - Deste modo aprende a viver cada instante como se fosse o último; e faz da vida simples campestre um ideal (aurea mediocritas);
  • Fugir à dor - Como defesa contra o sofrimento, sobrepõe a razão sobre a emoção;
Estoicismo
 Doutrina que tem como ideal ético a apatia - ausência de envolvimento emocional excessivo que permite a liberdade – , e que propõe as seguintes regras para alcançar a felicidade (relativa, pois não pretende um estado de alegria mas sim de um contentamento inconsciente):
  • Dominar as paixões – Suscita uma atitude de indiferença; Recusa o amor para evitar ter desilusões, de modo a que nada perturbe a serenidade e a razão, e porque este é uma inutilidade e está já condenado, uma vez que tudo na vida tem um fim;
  • Aceitar a ordem universal das coisas, incluindo a morte - Revela a faceta conformista, considerando a vida como efémera, um fluir para a morte e essa consciência não lhe gera nem angústia nem revolta.
Porém, Reis admite a limitação e a fatalidade desta condição humana, e pretende chegar à morte de mãos vazias de modo a não ter nada a perder; e inspirado na mitologia clássica, considera a vida como uma viagem cujo fluir e fim é inevitável.

   QUADRO-SÍNTESE

Vamos conhecer um pouco mais sobre os aspectos de  Ricardo Reis.

Aspectos temáticos

Aspectos formais

Harmonia entre o epicurismo e o estoicismo;Uso de vocabulário erudito e preciso;
Autodisciplina, renunciando às fortes emoções;Recurso a arcaísmos;
Procura da ataraxia;Formas estróficas e métricas de influência clássica – Ode.
Renúncia da vida através da recusa do amor e da consciência da inutilidade do esforço de mudança;Influência latina através da anástrofe e do hipérbato;
Elogio do carpe diem;Predomínio da subordinação;
Elogio da vida campestre (aurea mediocritas);Uso frequente de advérbios de modo;
Fatalismo – o destino é força superior ao homem;Recurso ao gerúndio;
Aceitação calma do destino;Uso do imperativo como manifestação de atitude filosófica;
Obsessão da efemeridade da vida;Diálogo permanente com um "tu" – coloquialidade.
Consciência da fugacidade do tempo;
Aparente tranquilidade, na qual se reconhece a angústia existencial do ortónimo;
Neopaganismo – os deuses também estão sujeitos ao Fado e alusões mitológicas;
Intenção didáctica dos seus versos;
Elogio à carência das ideias dogmáticas e filosóficas como meio de manter-se puro e tranquilo;



                             CARTA ASTRAL DE RICARDO REIS



Ricardo Reis é autor de uma poesia neoclássica, austera, melancólica, rigorosa, desencantada com a civilização cristã do século XX e saudosa de um tempo em que os homens exercitavam a objetividade absoluta. Reis é considerado um poeta de filosofia epicurista e estóica, buscando sempre o contentamento sóbrio e a serenidade.
A ressonância da poesia de Reis, “pagão por caráter”, na definição de Campos, traduz-se num estilo denso e construído. Monarquista, educado num colégio jesuíta, latinista e semi-helenista, amante do exato, nas Odes que constrói evidencia um espírito grave, medido, ansioso de perfeição. Como Caeiro, seu mestre, aconselha a aceitar claramente a ordem das coisas. Ambos elogiam o viver campestre, indiferentes ao social, convencidos de que a sabedoria está em gozar a vida pensando o menos possível.
Em força de síntese, dir-se-ia que Ricardo Reis é um heterônimo moderno que cultiva os valores e as crenças do classicismo, procura uma filosofia de vida marcada pela ausência das grandes paixões humanas, pela renúncia parcial do pensamento racional (à imagem de Caeiro), buscando sempre compreender a efemeridade do tempo e da vida e tentando alcançar um estado de serenidade e desprendimento das emoções.


sexta-feira, 18 de maio de 2012

Ricardo Reis

Biografia de Ricardo Reis



Ricardo Reis(1887) é um heterônimo do poeta Fernando Pessoa.

Ele  teve a idéia de criar “Ricardo Reis” quando escreveu os "Poemas de índole Pagã”. Seu perfil consta que nasceu em Porto e estudou em colégio de jesuítas. Foi viver no Brasil depois de se formar em medicina. Era autodidata na língua grega e de formação sólida na língua latina.
Ricardo Reis nasceu na cidade de Porto. Por nutrir simpatia em relação à causa monarquista, expatriou-se ao Brasil em 1919.

Ricardo Reis possui obras em seu nome. As primeiras obras foram publicadas na revista Athena, fundada por Fernando Pessoa em 1924. Posteriormente, publicou várias Odes na revista Presença, de Coimbra. A idéia desenvolvida em sua obra faz parte do pensamento Greco-romano: clareza, equilíbrio, as boas formas de viver, o prazer, a serenidade. O pensamento do filósofo Epicuro permeia a obra de Ricardo Reis, que pregava que as pessoas deveriam viver o “aqui e agora”, retomando o preceito grego do carpem diem, baseado no prazer. Mas, além do epicurismo, Reis possuía o estoicismo também como influência, que propõe a aceitação do acontecimento das coisas e a rejeição às emoções e sentimentos exacerbados.


Alguns poemas de Ricardo Reis









OUVI CONTAR QUE OUTRORA


    Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
    Tinha não sei qual guerra,
    Quando a invasão ardia na Cidade
    E as mulheres gritavam,
    Dois jogadores de xadrez jogavam
    O seu jogo contínuo.
    À sombra de ampla árvore fitavam
    O tabuleiro antigo,
    E, ao lado de cada um, esperando os seus
    Momentos mais folgados,
    Quando havia movido a pedra, e agora
    Esperava o adversário.
    Um púcaro com vinho refrescava
    Sobriamente a sua sede.
    Ardiam casas, saqueadas eram
    As arcas e as paredes,
    Violadas, as mulheres eram postas
    Contra os muros caídos,
    Traspassadas de lanças, as crianças
    Eram sangue nas ruas...
    Mas onde estavam, perto da cidade,
    E longe do seu ruído,
    Os jogadores de xadrez jogavam
    O jogo de xadrez.
    Inda que nas mensagens do ermo vento
    Lhes viessem os gritos,
    E, ao refletir, soubessem desde a alma
    Que por certo as mulheres
    E as tenras filhas violadas eram
    Nessa distância próxima,
    Inda que, no momento que o pensavam,
    Uma sombra ligeira
    Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
    Breve seus olhos calmos
    Volviam sua atenta confiança
    Ao tabuleiro velho.
    Quando o rei de marfim está em perigo,
    Que importa a carne e o osso
    Das irmãs e das mães e das crianças?
    Quando a torre não cobre
    A retirada da rainha branca,
    O saque pouco importa.
    E quando a mão confiada leva o xeque
    Ao rei do adversário,
    Pouco pesa na alma que lá longe
    Estejam morrendo filhos.
    Mesmo que, de repente, sobre o muro
    Surja a sanhuda face
    Dum guerreiro invasor, e breve deva
    Em sangue ali cair
    O jogador solene de xadrez,
    O momento antes desse
    (É ainda dado ao cálculo dum lance
    Pra a efeito horas depois)
    É ainda entregue ao jogo predileto
    Dos grandes indif'rentes.
    Caiam cidades, sofram povos, cesse
    A liberdade e a vida.
    Os haveres tranqüilos e avitos
    Ardem e que se arranquem,
    Mas quando a guerra os jogos interrompa,
    Esteja o rei sem xeque,
    E o de marfim peão mais avançado
    Pronto a comprar a torre.
    Meus irmãos em amarmos Epicuro
    E o entendermos mais
    De acordo com nós-próprios que com ele,
    Aprendamos na história
    Dos calmos jogadores de xadrez
    Como passar a vida.
    Tudo o que é sério pouco nos importe,
    O grave pouco pese,
    O natural impulso dos instintos
    Que ceda ao inútil gozo
    (Sob a sombra tranqüila do arvoredo)
    De jogar um bom jogo.
    O que levamos desta vida inútil
    Tanto vale se é
    A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
    Como se fosse apenas
    A memória de um jogo bem jogado
    E uma partida ganha
    A um jogador melhor.
    A glória pesa como um fardo rico,
    A fama como a febre,
    O amor cansa, porque é a sério e busca,
    A ciência nunca encontra,
    E a vida passa e dói porque o conhece...
    O jogo do xadrez
    Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
    Pesa, pois não é nada.
    Ah! sob as sombras que sem qu'rer nos amam,
    Com um púcaro de vinho
    Ao lado, e atentos só à inútil faina
    Do jogo do xadrez
    Mesmo que o jogo seja apenas sonho
    E não haja parceiro,
    Imitemos os persas desta história,
    E, enquanto lá fora,
    Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida
    Chamam por nós, deixemos
    Que em vão nos chamem, cada um de nós
    Sob as sombras amigas
    Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
    A sua indiferença.

                                                 Ricardo Reis, 1-6-1916


Da Verdade não Quero Mais que a VidaSob a leve tutela 
De deuses descuidosos, 
Quero gastar as concedidas horas 
Desta fadada vida. 
Nada podendo contra 
O ser que me fizeram, 
Desejo ao menos que me haja o Fado 
Dado a paz por destino. 
Da verdade não quero 
Mais que a vida; que os deuses 
Dão vida e não verdade, nem talvez 
Saibam qual a verdade. 

Ricardo Reis, in "Odes" 
Heterónimo de Fernando Pessoa
Não Sejamos Inteiros numa Fé talvez sem CausaMeu gesto que destrói 
A mole das formigas, 
Tomá-lo-ão elas por de um ser divino; 
Mas eu não sou divino para mim. 

Assim talvez os deuses 
Para si o não sejam, 
E só de serem do que nós maiores 
Tirem o serem deuses para nós. 

Seja qual for o certo, 
Mesmo para com esses 
Que cremos serem deuses, não sejamos 
Inteiros numa fé talvez sem causa. 

Ricardo Reis, in "Odes" 
Heterónimo de Fernando Pessoa
Quero dos Deuses só que me não LembremQuero dos deuses só que me não lembrem. 
Serei livre — sem dita nem desdita, 
Como o vento que é a vida 
Do ar que não é nada. 
O ódio e o amor iguais nos buscam; ambos, 
Cada um com seu modo, nos oprimem. 
          A quem deuses concedem 
          Nada, tem liberdade. 
     Quer Pouco: Terás Tudo
Quer pouco: terás tudo. 
Quer nada: serás livre. 
O mesmo amor que tenham 
Por nós, quer-nos, oprime-nos.

Aguardo, Equânime, o que não ConheçoAguardo, equânime, o que não conheço — 
Meu futuro e o de tudo. 
No fim tudo será silêncio, salvo 
Onde o mar banhar nada. 

Domina ou CalaDomina ou cala. Não te percas, dando 
Aquilo que não tens. 
Que vale o César que serias? Goza 
Bastar-te o pouco que és. 
Melhor te acolhe a vil choupana dada 
Que o palácio devido.